Salvo pelo Gongo parte 2.
- Rosa Carvalho
- 1 de out. de 2014
- 3 min de leitura

2ª. Parte
Ouviram-se risos. O bispo continuava cético e sarcástico.
— Naturalmente, durante pelo menos três dias (e três noites), haverá de ter uma pessoa junto ao gongo, para o caso de...
— A administração do cemitério não tem pessoal disponível para essa vigilância. — Disse Mister Charles Grant, uma espécie de gerente, responsável pelos registros e a movimentação financeira do cemitério. — E nem dinheiro para mandar construir essa parafernália.
— Já pensei nisso, respondeu Mac-Fadden. — É claro que não será para todos os enterrados. Apenas para aqueles cujas famílias suspeitarem de que o enterrado não esteja morto. O aparelho não precisa ser do cemitério. Posso, com autorização de Vossa Reverência, alugar o gongo e meu tempo de vigília durante o tempo que for necessário para a confirmação (ou não) da morte do enterrado.
A reunião se estendeu por algum tempo até que a persistência, as demonstrações e o sistema de locação proposto por Mac-Fadden convenceram o Bispo e os demais presentes envolvidos no assunto.
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Grande era, então, o medo de ser enterrado vivo. As famílias temiam o enterro do ente querido ainda vivo. Por isso, o invento de Mac-Fadden foi muito solicitado. O inventor, que se dispunha a ser também o vigilante do gongo, para o caso de manifestação de vida da pessoa debaixo de “sete palmos” de terra, teve de deixar o emprego de coveiro.
Para bem exercer a vigilância ao lado da sepultura, John acomodava-se em uma cadeira confortável, que ele mesmo construíra, forrada de couro e com um pequeno dossel para enfrentar a umidade das noites e a inclemência do tempo. Sentado e sempre acordado, passava dias de calor e frio, noites claras de luar (poucas) e muitas noites escuras, quando o cemitério ficava coberto pela névoa úmida, insidiosa e cheia de mistérios.
À espera do soar do gongo, o cemitério coberto pela névoa, era uma sentinela solitária. Era solteirão, não tinha família, o que facilitava o exercício dessa bizarra profissão da qual talvez tenha sido o único profissional a exercer.
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Há quatro anos no exercício da vigilância, John ouviu pela primeira vez o soar do gongo. Por mais preparado que estivesse, grande foi o susto. John afirmava que jamais dormia em serviço. Aconteceu de madrugada. Saltou da cadeira assim que ouviu o primeiro som do gongo. Pensou depressa no que tinha a fazer.
Ele (era um homem) está aí debaixo da erra há pelo menos doze horas. Não tem falta de ar, pois o cano lhe proporciona ar fresco. Mas devo agir depressa, a fim de que ele não morra de verdade pelo terror em saber que está enterrado vivo.
Tinha uma pá ao seu lado e com ela passou a escavar com movimentos precisos e cadenciados. Era um homem forte e em poucos minutos bateu com a ponta da pá no caixão. Limpou rapidamente a tampa, que abriu com perícia. Acendeu um lampião e iluminou a cova.
O que viu o deixou horrorizado: aquele que deveria ser o defunto, jazia deitado no caixão, com os olhos abertos numa expressão de puro terror. Antes que tivesse tempo para fazer qualquer gesto de ajuda, o enterrado-vivo estendeu os braços e agarrou-o pelas abas do grosso casaco, quase o derrubando para dentro da cova. Mas John foi forte e ajudou o pobre coitado a se erguer.
Ele olhou esbugalhado para John, para si próprio e depois se virou para ver ao redor: a tétrica paisagem do cemitério à meia luz do alvorecer. .
John o amparava, segurando firme em seu braço. Ele quis fugir, mas João o deteve.
— Calma, senhor, tudo está bem. Não precisa fugir.
— Mas onde estou? Que significa isto?
Em poucas palavras John explicou ao apavorado senhor o que acontecera. Em seguida, alinhando as roupa amarfanhada, preparou-o para voltar ao mundo dos vivos.
Um novo dia amanhecia.
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— Boy, vocês nem imaginam a surpresa da família quando cheguei com o homem. Não fiquei lá para explicações. Vim direto pra cá. Precisava falar com alguém e tomar um trago desse fogo engarrafado.
Os assistentes ouviam em silêncio. John se serviu de mais uma dose. O dono da taverna tossiu e disse solenemente:
— Graças a você, John, esse homem foi salvo pelo gongo.
Desde então, John passou a ser conhecido por John “Gong” Mac-Fadden.
E a expressão “Salvo pelo gongo” se universalizou.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 9 de abril de 2011
Conto # 662 da série Milistórias
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