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UNIVERSO LÚDICO

  • Rosa Carvalho
  • 25 de jul. de 2014
  • 5 min de leitura

A dupla de artistas OSGEMEOS inaugura este mês a exposição A ópera da lua, em São Paulo, com obras inspiradas em seu imaginário criativo-particular
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Aos 40 anos, Eles são consagrados mundo afora. Suas obras são cobiçadas e expostas nos principais museus e galerias – como a Deitch Gallery, no Soho, e a fachada da Tate Modern, em Londres –, além de murais em diversas cidades, como Nova York, que eles dizem ser a principal inspiração para a arte contemporânea. Já fizeram uma instalação na Lituânia, grafitaram um castelo na Escócia e são os autores do visual do avião que a seleção brasileira usa na Copa. Argentina, Austrália, Chile, China, Cuba, Japão e praticamente toda a Europa reconhecem seu trabalho.

Em São Paulo, no entanto, são poucos os lugares coloridos por eles, em contraste à imensidão cinza que predomina na cidade. A primeira mostra que tiveram por aqui foi em 2006. Em 2008, um mural gigantesco na avenida 23 de Maio pintado pela dupla de irmãos e por outros artistas foi apagado “por engano” por uma empresa contratada pela prefeitura – o documentário Cidade cinza, lançado em 2013 por Guilherme Valiengo e Marcelo Mesquita, acompanhou a repintura desse painel e propôs uma reflexão sobre a arte urbana, que vive na luta contra uma cidade monocromática. “Mas isso não diz respeito a um tipo de arte específico. É difícil você ver um brasileiro valorizar outro brasileiro, ter orgulho e dizer que ele é bom mesmo. É triste. Podia, né? O Brasil é tão bom em tantas coisas. Tem que ter orgulho do que tem aqui”, diz Gustavo Pandolfo. “Lá fora eles querem entender, estimulam e dão espaço para que as coisas aconteçam”, reforça. “Mas, por outro lado, é legal sermos brasileiros e estarmos fazendo isso aqui”, diz seu irmão Otávio.

O gosto por ópera – que inspirou o título da exposição – veio do avô lituano Albino, amante desse gênero musical. “Frequentávamos muito a casa dele durante a infância e lembro dele colocar as músicas num tom alto, enquanto desenhávamos”, relembra Otávio, enquanto rabisca numa folha sulfite com uma caneta esferográfica, que achou na sala antes de se sentar à mesa para bater um papo com a equipe da 29HORAS. É em meio à correria e à bagunça da montagem da exposição, a duas semanas de sua abertura (confira na pág. 72 da AGENDA), que ele e o irmão cedem uma brecha numa manhã no Galpão Fortes Vilaça, na Barra Funda.

Em cartaz no galpão desde o dia 1º de julho até o dia 16 de agosto, A ópera da lua é uma regressão aos momentos de infância dos irmãos. “São obras inéditas, que remetem ao passado, o tempo com o nosso avô. A gente enxerga como se fosse um teatro: está acontecendo ao vivo. E a ópera está rolando”, diz Otávio. O início da mostra retrata o dia, passa pela noite e conduz o público a sair no infinito. “Como se fosse uma passagem para uma outra dimensão”, explica Otávio.

Eles trabalharam cerca de um ano nessa exposição, que começou a ser pensada no ateliê, onde eles ficam imersos quando estão na capital paulista. Em meio a 30 pinturas, uma instalação musical e uma vídeo-instalação em 3D, há três esculturas – entre elas a maior já realizada pelos artistas (com cerca de seis metros de altura), um projeto mantido sob segredo e que só será revelado na abertura. Ela marca essa fase em que a dupla está experimentando outros formatos, algo que surgiu para suprir a necessidade de se reinventar – assim como faziam quando crianças, quando pegavam os brinquedos e transformavam-nos em outra coisa. “É um desafio, mas foi a maneira que encontramos para traduzir o que a gente imagina – tudo o que se passa no nosso imaginário é real, vivo – para que as pessoas consigam palpar e sentir a dimensão, o formato”, diz Otávio.

A infância que tiveram diz muito sobre o trabalho deles. “Era um outro tempo. Não existia iPhone, iPad, essas tecnologias... Você tinha que inventar o brinquedo, inventar coisas para fazer. A nossa infância fez a gente ser bastante criativo”, diz Otávio. Eles cresceram na década de 80 no bairro paulistano do Cambuci. “Lembro que não tinha grade nas casas. Hoje não existe segurança, São Paulo está um desleixo. A gente sente que a cidade está abandonada”, desabafa Otávio.

“O que a gente fazia na casa dos nossos pais, de uma certa forma, é parecido com o que fazemos hoje. A maneira como brincávamos quando moleques e como é hoje, de transformar um lugar todo branco e abrir um portal para o nosso universo, é bem similar”, conta Otávio, que, ao lado do irmão, vivia mudando a sala de casa inteirinha para poder pintar. Os pais nunca os repreenderam. Pelo contrário, ao perceberem o lado criativo dos meninos, passaram a incentivar os filhos – a mãe, bordadeira, sempre teve muita afinidade com a arte.

A música também esteve presente na infância deles. “Fomos bastante influenciados pela cultura hip hop que era bem forte aqui na década de 80 – principalmente no Cambuci. Ouvíamos também Afrika Bambaataa e rock progressivo (influência do irmão mais velho Arnaldo)”, revela Otávio, lembrando a época em que dançavam break na rua. Todo sábado, às 14h, o pai levava os meninos até a estação São Bento, onde aconteciam os encontros de hip hop. Diferentemente de outras crianças daquela época, eles preferiam ficar desenhando do que jogar bola. “O desenho foi a linguagem que a gente encontrou para se comunicar. Com a família e entre a gente”, explica Otávio.

A arte que fazem na rua e a que vai para galerias e museus, segundo eles, são bem distintas. “Não dá para comparar”, diz Otávio. O grafite foi descoberto na cultura hip hop, uma linguagem artística que se apropria da rua. “Essa linguagem é usada para alertar, modificar ou reivindicar alguma coisa. Usar a cidade para a cidade não te usar. Nós nos identificamos para poder dialogar com as pessoas na rua. Até mesmo para mudar o cotidiano de alguém que mora debaixo de uma ponte”, explica ele. Além disso, “todo o ambiente que envolve o grafite faz que ele tenha a força que tem. E a gente começou a fazer exposições justamente para ter a liberdade de construir o nosso universo. É um equilíbrio”, diz Otávio.

Inseparáveis. É o que dizem sobre irmãos gêmeos, que têm sintonia muito mais afinada que outros irmãos. Com eles não é diferente, mas vai além. Os traços de ambos são idênticos. “A gente não sabe explicar isso bem. É muito espiritual”, acredita Otávio. “É o trabalho de um artista só”, emenda o irmão. E eles parecem não ligar para valores como fama e status. “Importante para nós é realizar o que acreditamos e poder dividir isso com as pessoas”, afirma Gustavo.

Eles não gostam de classificar o estilo do trabalho que fazem. “Às vezes, as pessoas querem rotular as coisas. E a arte foi feita mais para sentir do que para entender”, diz Otávio. “Ela passa por conceitos, por classificações, mas vai muito mais da sensibilidade de quem está observando. Arte é o que te emociona”, diz Gustavo. “Ou não”, sugere Otávio. “É preciso dar liberdade para imaginar, sem limitar”, finaliza Gustavo. Inquietos, eles dizem que os cadernos de desenhos já sustentam mais umas três exposições. Enquanto elas ainda não são elaboradas, mergulhe nesse universo único e surpreendente.

Por Letícia Liñeira Fotos Érico Hiller

 
 
 

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