Juca da Pedra: Parte 2
- Rosa Carvalho
- 15 de abr. de 2014
- 3 min de leitura
Parte 2 – continuação da edição anterior
— E aí, Juca, já desenterrou a pedra?— Não! Cê doido, sô! Se eu desenterro, tá assim de bandido vigiando pra me roubar. Só eu sei onde que tá a pedra.— Me vende a pedra, Juca. Pago mais que qualquer um. Quantos milhões você quer?Não importava se fosse um, dez, cem milhões, bilhões, zilhões, a resposta repetia-se:— Tá pouco. Num vou vendê pro ceis não. Ceis são tudo muito miseráveis.Das brincadeiras pessoais para os trotes telefônicos foi um pulo. Toda vez que ia à cidade, além de encontrar-se com os "interessados" em sua pedra, recebia telefonemas, sempre através do telefone do Bar do Centro.— Tá difícil vender pra rainha. Ela paga bem, mas a pedra pesa mais de uma tonelada. Como vou mandar um peso desses pro outro lado do mundo?
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Só por uma vez Juca perdeu sua mansidão e seu jeito engraçado de tratar do assunto. Foi quando Pedrim Mentira (logo quem !) falou claro e em bom tom:— Deixa de ser bobo, Juca. Num tá vendo que esse pessoal tá te gozando? Esses telefonemas são tudo de mentira, eles tão te enganando. E afinal, cadê essa pedra que... Juca pulou na garganta de Pedrim e quando conseguiram apartar o maluco, Pedrim já estava roxo, quase asfixiado. Juca foi levado para o manicômio, quer dizer, para o "Hospital Psiquiátrico Irmão Mário de Aguiar". Dois meses passou o maluco em tratamento. Quando saiu, era outro: apático, calado, olhos baços, alquebrado. Contudo, os "amigos" da praça não o abandonaram. Voltaram às brincadeiras, aos trotes e às ofertas pela pedra.De repente, numa roda animada, Juca decide-se: — Vou vender a pedra! Quem dá mais? Na continuidade da chacota ferveram os lances, como se fora um leilão: — Dou cem! — Dou mil! — Cem mil! — Um milhão! — Prepara a grana que amanhã trago a pedra. — Juca dá a venda por encerrada. A farsa foi levada às últimas conseqüências. Juca chegou ao sítio ao entardecer. A noite caiu cedo, no inverno os dias são curtos. Preparou as ferramentas à luz da lamparina, para atacar a escavação no dia seguinte bem de manhã. "Vou começar a arrancar a pedra assim que o dia clarear". Dormiu mal naquela noite. A ansiedade para desenterrar a pedra era imensa. O sábado amanheceu frio, a geada na madrugada cobrindo as baixadas. O que não impediu Juca de se levantar antes de o sol sair. Sem agasalho, com as mesmas roupas com as quais havia dormido, ferramentas na mão, foi na direção da pedra, aquela maior, localizada quase no topo do terreno.Começa cavoucando ao redor do monólito e verifica logo que tem muito trabalho pela frente: a pedra é grande e está firmemente enterrada no solo. Passam as horas, Juca no frenesi da escavação nem nota a passagem do tempo. O enxadão arrebenta-se ao bater com violência numa das faces da pedra. A pá está toda torta. A picareta desce e sobe, manobrada com vigor e fúria. Suas mãos enchem-se de bolhas, os calos crescem. O cabo da picareta estrala, racha, separando-se o metal da madeira. Juca não se dá ao trabalho de voltar ao casebre para pegar outras ferramentas ou encabar a picareta. A tarde avança e o sol esfria, um disco vermelho sem calor. De joelhos ataca o serviço com as mãos nuas. Nem se dá conta que anoitece. Os urubus desaparecem na escuridão. Juca arfa, geme, soluça enquanto cava. A noite fica cada vez mais fria e escura. A névoa se transforma em garoa, empapando sua roupa. Quando mais escuro, mais se esfalfa.
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O domingo amanhece e o frio continua. Céu claro, limpo, de geada. Zé Esteves põe sua charrete na estrada. A mulher ao seu lado, no banco, e Tiãozinho, o garoto de 6 anos, vai atrás. Rumo à cidade, a estrada conduz ao topo do morro, de onde avistam longe. Dona Maria olha na direção do sítio de Juca da Pedra. — Óia, Zé, lá no sítio do Juca. Quanto urubu voando!Parece até um redemoinho preto!
Antonio Gobbo.
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