Conto: Edição 40: "JUCA DA PEDRA "
- Rosa Carvalho
- 18 de mar. de 2014
- 3 min de leitura
JUCA DA PEDRA
Por Antônio Gobbo
Alguns urubus esperam com paciência pousada nos galhos secos do jatobazeiro. A tarde é frio, o vento gelado não deixa o sol aquecer a terra. Nas franjas de muitas árvores e arbustos os sinais da geada recente: folhas e brotos secos, queimados na madrugada de inverno rigoroso. Sob a árvore onde as aziagas aves se demoram, corre um trecho de terra pedregosa, que o mato, judiado pela longa estiagem, não consegue disfarçar.O terreno é pequeno, talvez dois alqueires de terra ruim. Um casebre arruinado na parte mais baixa, perto do córrego. Desolação total. O vento forte desce pela encosta, levantando folhas secas e gravetos. Como está há muito tempo sem cultivo, a aridez se manifesta aqui e ali: manchas de pura areia, onde nada mais nasce.As aves observam. Esperam. Sabem que logo terão seu festim. De joelhos o homem esgravata a terra ao redor de uma pedra maior, pedregulho escuro, ereto, mais de metro e meio sobre o solo. Escarafuncha com as mãos, em movimentos rápidos, demenciais. Pá, picareta e enxadão estão por perto, quebrados, inúteis. As mãos sangram, os olhos alienados seguem os movimentos das mãos. Apesar do frio, o suor molha sua camisa rala.Os urubus aguardam. — Juca, o telefone tá te chamando. Juca atende. Acima do burburinho do bar, das tacadas dos jogadores de sinuca, Juca ouve uma voz feminina: — É o Juca? Aqui é a rainha da Inglaterra. Quero comprar sua pedra. Te dou um bilhão de cruzeiros pela pedra. — Num vendo, não. É pouco dinheiro. A ligação cai. Juca sai eufórico do bar, fala com o primeiro que encontra: — Num te falei? A rainha quer comprar a pedra. Ofereceu um bilhão! Mas é pouca, minha pedra vale muito mais! — Êta Juca! Cê é mesmo milionário com essa pedra! Na semana seguinte (Juca vai à cidade só nas sextas-feiras), a voz que chama Juca no telefone é masculina: — Aqui é o presidente dos Estados Unidos, Juca! Me vende a pedra! Dou dez bilhões por ela. — É pouco. Vale muito mais. Houve uma semana que um engraçadinho se fez de Papa pelo telefone: — Juca, eu sou o Papa. Cê tem que doar a pedra pra Igreja. Pra paróquia. — Tá louco, seu Papa ? Como é que pode? Num tem jeito não sinhor. E gabou-se para o pessoal reunido na praça:Até o Papa tá interessado na minha pedra !Houve um tempo em que Joaquim Silveira era apenas um pequeno lavrador às voltas com as safras miseráveis de sua sitioca, a qual já fora maior. Herdara mais de 100 alqueires que foram sendo vendidos em partes, através dos anos. O que colhia nunca era suficiente sequer para o custeio. Os prejuízos foram roendo a propriedade. O gado, devido a pouca atenção do proprietário, também entrou na liquidação. Terras, gado, tudo se fora, para garantir a sobrevivência do proprietário.Solteiro, de vida simples, de pouco gastar, era inacreditável como a miséria se instalou na propriedade de Juca Silveira. Na incompetência de administrar seus bens, já se anunciava a deficiência que o levaria para a terra dos sonhos, da fantasia e da loucura. Sem família e sem amigos, vivendo só e centrado em sua vida miserável, Juca foi presa fácil da idéia fixa de que em suas terras havia pedras preciosas. Diamantes, principalmente.Jamais houve indícios de veio diamantífero, nem garimpo nem nada que pudesse validar tal idéia. Mas para o cérebro de Juca, era coisa certa, concreta. Podia ficar rico, famoso com as pedras de seu sítio. A ilusão tomou conta do seu coração e de sua mente. Ficou obcecado. Anunciava sua riqueza para todo mundo. Seu poder era imenso! Não houve uma pessoa, uma santa alma para advertir Juca de sua paranoia. Pelo contrário, muitos viram oportunidade de gozação e chacotas sobre o maluco. Principalmente a chusma de ociosos que passavam o dia nos bancos da praça central da pequena cidade. Era um assunto a mais para preencher o vazio de suas vidas. Alimentavam a mania do coitado: Continua na próxima edição ...
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